Onde eu vivo

Onde eu vivo, o horizonte é estreito e cortado por prédios cinzentos com muitos andares e roupa estendida. Grávidos de gente, esvaziam-se mal o sol nasce e voltam a encher-se apenas ao cair do dia.
Onde eu vivo, há uma ponte que atravessa um ribeiro. Enche-se de gente que passa e de outros que enganam as horas a dar de comer às galinholas de água e patos, espalhando pedaços de pão como quem semeia sonhos.
Onde eu vivo, passam carreiras cheias, que enchem o ventre em cada paragem com mais e mais gente. Donas de casa e reformados, e escriturários e operários e desempregados, e miúdos que vão atrasados para a escola. Entram compassadamente desfazendo a fila ordenada que ainda há pouco discutia a novela e o “Dança Comigo” e o jogo do Sporting e “...o miúdo que não quer estudar!”, e o salário que acaba sempre antes do mês e a promoção semanal do Lidl.
Onde eu vivo, as almas são simples e as mãos têm calos e os sacos de compras são sempre do supermercado e feitos de plástico barato a esfiapar-se com o peso.
Onde eu vivo, o tempo conta-se entre as horas que faltam para começar a trabalhar e os minutos que se escoam entre a sopa do jantar e as horas dormidas a correr.
Onde eu vivo, onde eu escolhi viver, vive-se um dia de cada vez na esperança que o seguinte seja um bocadinho melhor.
E foi entre esta gente, esta gente de trabalho, que reencontrei mãos gentis que me ajudam com crianças e mochilas, vizinhos que fazem o autocarro esperar se me atraso, gente que me mostra que por mais duros que sejam os dias há sempre esperança no amanhã.

*imagem de Brian Auer tirada daqui

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