Os olhos azuis da Teresa

Já foi cabeleireira "antes da crise", diz-me com um sorriso. Já foi cabeleireira e era vaidosa "mas agora, basta escovar o cabelo e pôr a bata", e ri. Antes, quando o ordenado esticava até ao final do mês, e os olhos azuis ainda não estavam carregados de olheiras, quando a pele brilhava e as mãos tinham unhas de cor, era cabeleireira. Depois nasceram os filhos, "primeiro o rapaz, que já tem 7 anos e depois a menina, fraquinha, coitadinha, está sempre adoentada. O que me vale é a minha mãe que dia sim, dia não, fica com ela em casa". E no cabeleireiro, onde entrou aos 16 e se fez mulher, não podiam esperar pelas doenças dos meninos. O cabeleireiro, no centro da cidade, de montra larga e ventre bojudo num permanente entra e sai de mulheres magras,  apressadas para reuniões importantes, envoltas num manto de perfume, dispensou-a. "E depois ainda tentei, mas era tudo à percentagem, e entre as horas de comboio e autocarro, mais o preço do passe e o que pagava para ter os meninos no infantário, não chegava o dinheiro nem as horas do dia", confessa enquanto arruma meia dúzia de bolachas luzidias que entrega no saquinho de papel. Já foi cabeleireira e agora embala pães e bolos, e avia sopas e bicas, e faz trocos e ri. Ri. "Tenho trabalho e saúde e os meus meninos são a luz dos meus dias". Saio a porta para o cinzento da rua e espanto-me, uma vez mais, com a simplicidade de quem se resigna à vida sem perder a alegria.

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