Um mundo numa poça de água

Ontem, como há mais de 15 dias, o final de dia foi chuvoso. Atalhámos caminho pelos bairros pobres de subúrbio pejados de gente a pé e de poças de água que rapidamente se transformam em charcos de lama. Encostei-me e repousei a cabeça a ver os pingos de chuva que inundavam a paisagem, e quando parámos na imensa fila de trânsito que entupia a entrada da rotunda os meus olhos tropeçaram em dois garotos que seguiam pela berma. "Sikhs", murmurei, enquanto esquadrinhava os olhos fundos e os ombros estreitos dos dois meninos que seguiam a pé, calados e sérios nos seus turbantes negros. O cabelo escondido no pano irá crescer sem nunca ser cortado, e os meninos far-se-ão homens presos, ou entregues, a uma religião que acredita que "as acções positivas geram frutos positivos e permitem alcançar uma vida melhor e o progresso espiritual; a prática de acções negativas leva à infelicidade e ao renascer em formas consideradas inferiores, como em forma de planta ou de animal".
E percebi uma vez mais a riqueza destes bairros pobres, onde se cruzam culturas e religiões, e onde as crianças aprendem a viver com as suas diferenças. E suspiro, a pensar na minha filha que fala com orgulho no mapa-mundi da sala de aula, onde o criolo de cabo-verde se cruza com as expressões açucaradas do Brasil e o salero espanhol. E espero conseguir que perceba a riqueza encerrada no corpo destes dois meninos que paulatinamente caminham em direcção ao futuro.

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