Punks, friques e outras tribos

Passo todos os dias à porta do meu antigo liceu. Está mais bonito. Ou melhor, está menos feio. Deram-lhe umas pinceladas de tinta que não lhe dão um ar novo mas escondem-lhe as cicatrizes dos dias. As árvores cresceram. Os canteiros baldios encheram-se de ervas e perderam o ar cinzento. E há os mesmos bancos. Plantados a eito. Nunca percebi porque não os colocaram debaixo das árvores deixando-os assim, perdidos, sob o sol inclemente e a chuva fria. Raramente alguém se senta ali. Os miúdos de hoje, tal como os de ontem, preferem a beira dos canteiros, ou o parapeito das janelas onde se juntam aos molhos, empilhando mochilas e casacos em pilhas periclitantes que parecem estranhas esculturas. Tal como antes, os miúdos são magros e os braços parecem maiores do que deviam. Usam ténis e nas t-shirts a figura do Che foi substituída por frases provocadores ou pelo ídolo da semana. Discutem bola e as notas e o jogo da Playstation. Misturam-se em tribos que já não sei identificar como góticos ou punks ou friques. Aposto que agora têm outros nomes, indecifráveis e misteriosos, como antes. Elas brilham num glamour estranho que não me recordo. E são bonitas. Outra coisa que não me recordo. Não me recordo de termos sido bonitas nas nossas caras lavadas sem maquilhagem mas com acne. Éramos jovens, só. Saem em bandos como as andorinhas no final do Verão. Dez, três, raramente sozinhos. Descem a avenida sem pressas ou invadem a paragem do autocarro entupindo cada canto com monstruosas mochilas, muito riso e gritos. Vejo-os todos os dias quando passo à porta do meu antigo liceu. Vejo-os com os mesmos sonhos empurrados para o fundo dos bolsos onde o tempo se guarda e gasta devagarinho.

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