A canção da Bia

A Bia fala brasileiro. "É português", insisto. Que não, diz-me a pequena "a Bia fala a cantar, não é como nós!". A Bia tem sete anos acabadinhos de estrear e cabelo encaracolado em tom de caramelo. O tom de pele não engana e recorda a mistura étnica que se fez do outro lado do Atlântico. A menina pequena aprende as letras, ombro a ombro com o Jabel e o Jacabi, que vieram da Guiné, e a Sakuta, que ainda não percebi se é macaense ou se os olhos amendoados terão vindo de outras paragens.  No caldeirão de nações que é a sala de aulas da pequena, os meninos aprendem a ler e a corrigir o sotaque, e cá fora no recreio, onde todos os meninos são reis e princesas, não há muros ou fronteiras e entendem-se num idioma que só a infância consegue decifrar. A mais pequena lá de casa tem na Bia a melhor amiga, e hoje, enquanto esperávamos que as portas da escola abrissem, as meninas de mãos dadas, o Jabel e o Jacabi,  entoavam uma canção com o sotaque cantado de além-mar.    E eu, e o pai da Bia, o mulato de olhos doces com mais dois palmos de altura do que eu, olhámo-nos e, pela primeira vez, sorrimos.

Comentários

Mensagens populares